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Entenda como a desoneração da folha salarial funciona em outros países

Na maioria dos casos, benefício não é para setor específico

Outros países também têm desoneração da folha de pagamento, como a que vigora no Brasil até o fim do ano e teve a prorrogação vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas há grande diferença em relação à abrangência dos setores que são beneficiados.

A Agência Brasil conversou com especialistas para entender como essa política funciona em outros países. Aqui no Brasil, o texto vetado pelo presidente Lula previa a extensão do benefício criado em 2011 até 2027.

O projeto de lei trocava a contribuição previdenciária – que corresponde a 20% da folha de pagamento – por uma alíquota entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta da empresa. A intenção, segundo os defensores da proposta, é que companhias tenham mais incentivo para a contratação de mão de obra em troca da menos tributo.

O benefício era restrito a 17 setores: confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação (TI); tecnologia de comunicação (TIC); projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.

Abrangência linear

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sandro Sacchet de Carvalho cita três economias internacionais que adotaram o benefício de desoneração das folhas salarias. Mas, nos três casos, não houve direcionamento para setores específicos, ou seja, foi feita uma desoneração linear, alcançando empresas de todos os setores da economia.

Carvalho dá o exemplo da Suécia, onde a desoneração é voltada para empresas que contratam trabalhadores jovens. Já no caso da França, foi destinada a firmas que admitem pessoas com remuneração de um salário mínimo.

Na Finlândia, houve a desoneração de forma emergencial durante a crise econômica global que atingiu diversos países em 2009. “Foi uma redução geral por causa da crise. Teve efeito positivo, de fato, tornando as firmas mais resilientes. Mas foi temporário”, lembra.

O pesquisador do Ipea diz que, de maneira geral, políticas de desoneração não são bem vistas por alguns estudos porque causam algumas distorções. Ele conta que, no caso da França, o efeito colateral negativo foi um estímulo excessivo para as empresas contratarem empregados com remuneração baixa.

“Incentivando a empresa a contratar demais quem recebe até um salário mínimo, justamente para pagar menos imposto, deixando de contratar trabalhadores que receberiam um pouco mais.”

No caso da Suécia, ele relata que “firmas que tinham restrição a crédito no mercado acabaram contratando trabalhadores muito jovens, justamente para ter maior alívio fiscal, gerando distorções”.

“[A desoneração] acaba tendo efeito de aumentar o emprego naquele grupo que está sendo desonerado, mas, de modo geral, pelos efeitos colaterais que causam e o custo que essa política implica, geralmente, não é vista com bons olhos na literatura econômica desses países”, constata.

Além disso, estudos mostram, segundo Carvalho, que a política é cara para os cofres públicos. “O custo não compensa a quantidade de vagas criadas. Seria mais barato se o governo contratasse aquelas pessoas diretamente.”

Estados Unidos

O economista e professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Robson Gonçalves traz o exemplo dos Estados Unidos, onde a folha é “extremamente desonerada”.

“Nos Estados Unidos, a legislação trabalhista é, na verdade, uma legislação civil, não existe sequer Justiça do Trabalho, e o trabalhador recebe basicamente salário. Ele se vira com esse salário para transformar em algum tipo de reserva para o desemprego, em algum tipo de previdência etc. É um caso extremo de um país onde você tem uma folha extremamente desonerada.”

Gonçalves faz o contraponto com a Europa. “Países como França e Alemanha acabam impondo tributos e encargos sobre a folha, principalmente preocupados com a questão previdenciária.”

Analisando todos os tipos de encargos, o Brasil figura como um dos campeões de encargos sobre a folha, diz o economista da FGV.

“Se você somar todos os encargos que existem, décimo terceiro salário, adicional de férias etc, é caro empregar no Brasil.”

desoneração folha de pagamento

Políticas setoriais

Sobre o fato de apenas 17 setores serem alcançados pela desoneração previdenciária da folha no Brasil, Gonçalves acredita que faz parte da tradição do país de ter políticas setoriais.

“A gente não deve tratar setores diferentes de maneira igual. Eu acho que faz sentido tratar setores mais intensivos de mão de obra de uma forma; e setores menos intensivos, de outra”.

Ele acrescenta que outros países também direcionam benefícios tributários, porém, de outras formas, como redução de taxas no produto final.

“O exemplo é a Europa. Se você pegar o IVA [Imposto sobre Valor Agregado] europeu, tem em alguns países alíquotas reduzidas para setores que são muito intensivos em mão de obra. Eles dão compensações, às vezes, até no Imposto de Renda das empresas”.

Precarização

O economista da FGV adverte que uma das consequências da oneração da folha de pagamento é as empresas buscarem formas de compensar os custos, o que se reflete em precarização do mercado de trabalho.

“Uma alternativa péssima é a informalidade, e uma alternativa ruim é a terceirização, inclusive com a ‘uberização’ – plataformas que não têm vínculo nenhum com o trabalhador. São formas de contornar o excesso de encargo sobre o trabalho com carteira assinada”, avalia.

Mais salário

O economista Marcos Hecksher, do Ipea, diz que estudos no exterior mostram que a política de desoneração na folha teve efeitos insignificantes sobre emprego, em detrimento de aumento de salários. Ele cita os Estados Unidos, o Chile, Equador e a Argentina.

“Nesses países não houve efeito sobre o emprego, mas houve algum efeito de interferência para os salários de quem já estava empregado, uma parte do dinheiro foi transferida para salário.”

Por outro lado, o economista Fernando Veloso, da FGV, citou no blog Ibre/FGV, o exemplo da Colômbia, onde mudanças legislativas, em 2012, reduziram a contribuição patronal sobre a folha de 29,5% para 16% para trabalhadores com rendimento menor que dez salários mínimos. Estudos mostram que a reforma estimulou a formalização.

Empregadores

Marcos Hecksher, do Ipea, é autor de um estudo que questiona a classificação dos 17 setores beneficiados pela desoneração. De acordo com o levantamento, as empresas desses ramos não figuram entre os campeões de geração de emprego.

O pesquisador critica o fato de a desoneração não exigir contrapartidas.

“Há uma injeção de dinheiro da Previdência Social no caixa das empresas de alguns setores sem nenhuma contrapartida, apenas na esperança de que seja usado para ampliar o emprego. A empresa não precisa contratar mais ou demitir menos.”

“A desoneração incide sobre todo o estoque de trabalhadores já empregado, não apenas sobre os fluxos de aumento do emprego quando ocorrem”, ele continua.

Hecksher destaca ainda que os setores beneficiados se diferenciam em relação à intensividade de mão de obra. Ele explica, por exemplo, que, enquanto o ramo de confecção/vestuário realmente precisa de muitos trabalhadores para agregar valor à economia, o mesmo não vale para o segmento de TI.

“É o contrário, tem alta produtividade do trabalho e precisa de pouquíssimos trabalhadores para gerar o mesmo nível de valor agregado na economia”, compara.

"Esses setores não têm nada em comum, a não ser o fato de que foram beneficiados pela mesma política”, observa.

O economista acrescenta que a escolha de grupos de atividades para serem beneficiados por desoneração previdenciária cria uma espécie de “meia-entrada” na Previdência Social. “Geralmente, quando você faz uma meia-entrada, alguém está pagando o dobro. Os benefícios previdenciários desse trabalhador são iguais aos do outro setor não beneficiado, mas a contribuição terá sido menor. Isso dificulta o equilíbrio das contas públicas”, conclui.

Edição: Juliana Andrade